quinta-feira, 31 de maio de 2012

A cidade

O barulho do centro da cidade atordoa o visitante
Sou visitante neste mundo que não vive sem barulho
Visitante sou eu neste mundo que vive de buzina
O grito da buzina atordoa minha vida

As luzes infinitas incomodam minha vista
Sou visitante neste mundo que não vive desligado
Visitante sou eu neste mundo da tomada
A luz falante atordoa minha vida

O calor da cidade pressiona o visitante
Sou visitante neste mundo que vive sem o verde
Visitante sou eu neste mundo do asfalto
O calor do asfalto atordoa minha vida

A poeira infinita inunda minha casa
Sou visitante neste mundo que vive de sujeira
Visitante sou eu neste mundo da lixeira
A terra da sujeira atordoa minha vida

O som da cidade enlouquece o visitante
Sou visitante neste mundo que não vive do silêncio
Visitante sou eu neste grito do mundo 
Onde o barulho da cidade atrapalha minha vida



Bianca Garcia

terça-feira, 22 de maio de 2012

Monólogo


Seus medos são, para você, a coragem em enfrentar o mundo. Encarar sozinho o peso desse mundo gelado... Enfrentar o escuro do mundo e a maldade das pessoas... Ora, esse medo aparenta coragem. Pura coragem de um grande medo.

Futura infelicidade...

Conheci finalmente quem tivesse medo de ser feliz, quem tivesse medo de quem traz o seu sorriso. Ora, você acredita que o destino te quer só? Você tem medo da paz, da confiança que te passa a outra pessoa. Ora, você tem medo de confiar!

A solidão te assombra. Mas você se aproxima dela com seus medos, que você os chama de coragem. Você se viu frente à beleza, ao amor e à confiança, mas fugiu. Fugiu com medo do amor.

Entendi agora suas críticas à tudo. Sua intolerância ao mundo. Sua insatisfação com a vida. Ora, você acredita ser seu destino ficar sozinho.

Bianca Garcia

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Ah, Nietzsche!


Todos os homens se dividem em escravos e livres; pois aquele que não tem dois terços do dia pra si é escravo, não importa o que seja: estadista, comerciante, funcionário ou erudito.” Nietzsche


Ah, Nietzsche!
Aqui, no século XXI, as pessoas falam gritando
andam correndo, mentem brincando...
Aqui, as pessoas trabalham mais que vivem,
se deslocam mais que trabalham e pensam menos que tudo...
Aqui, as pessoas vivem para o dinheiro, 
pelas maiores quantias sem nem se preocupar com tempo.

Ah, Nietzsche!
Aqui, as pessoas trabalham de frente para o mar mas nem o enxerga
Elas falam sobre abraços e beijos, mas não os sentem
E falam sobre sentimentos que nem existem...
Aqui, as pessoas não se vêem,
pouco se tocam e nunca se lêem.

Ah, Nietzsche!
Aqui, no século XXI, as coisas não estão nada melhores...
Aqui, ninguém é livre...
Só vemos escravos...
Do trabalho, do dinheiro e do tempo!


Bianca Garcia

domingo, 13 de maio de 2012

Em cartaz: Murro em Ponta de Faca

                                                   
                                                            A gente vai contra a corrente

                                                                                                                                             Crédito: Carlos Cabera

       Durante um período em que burgueses, operários e intelectuais viviam uma perseguição às atitudes ou à quaisquer pensamentos que destoassem do pouco do governo, o ensaísta, dramaturgo, diretor e teórico brasileiro, Augusto Boal, retratou a vida de exilados políticos em “Murro em Ponta de Faca”. O texto, que traz a realidade do ensaísta próxima a dos personagens, está em cartaz no Galpão da Gamboa com direção de Paulo José.

    Escrito há 34 anos, o texto não sofreu grandes modificações. “Inserimos alguma coisa fazendo referência à época, mas o texto veio praticamente inteiro”, afirma Nena Inoue, idealizadora do projeto e coordenadora artística. “Apesar do texto se situar na ditadura e na década de 70, ele fala sobre exílio, uma questão e um conflito universal”, completa.

      Com um tema ainda atual, o espetáculo retrata um período da ditadura instaurada no Brasil durante 1964 a 1985. Perpassando décadas, o tema ainda é lembrado, embora não seja bem-vindo abertamente. “Continuamos sem acesso aos documentos mesmo com os dois últimos governos”, diz Nena relembrando que os brasileiros não tiveram direito de saber quem foram seus torturadores. “Eles podem estar ao nosso lado, mas não sabemos. É como se a ditadura não tivesse existido. A anistia ampla, geral e restrita veio para isso”, completou.

    Apesar de ser baseado na ditadura e na questão dos exilados, o texto traz uma contemporaneidade. “A peça fala sobre as pessoas, o que elas passam, seus sentimentos. Exílio é apenas o trampolim para dizer da Maria (personagem de Laura Haddad) que se matou, por exemplo”, afirma Sidy Correa, que dá vida a um burguês no espetáculo. “É um confinamento que faz com que as pessoas tão diferentes consigam se aguentar. As relações são muito fortes. É o que temos hoje”, completa Laura Haddad.

     O elenco conta com a participação de Nena Inoue, na personagem de “Foguinho”, Abílio Ramos, Erica Migon, Sidy Correa, Laura Haddad e Gabriel Gorosito, retratando Boal. “A peça, além da questão artística, é um serviço de cidadania. Ela tem uma importância histórica independente de estarmos bem ou mal”, afirma Inoue, lembrando dos exílios presentes na sociedade atual. “Temos tantos exilados. Hoje, inclusive, o tema se ampliou, são exílios econômicos, sociais, artísticos, digitais...”, pondera a atriz.

     Se tratando de uma realidade, “Murro em Ponta de Faca” é um retrato da experiência vivenciada por Boal, que, pela segunda vez não pôde assistir à leitura de seu texto. “Na primeira, ele estava exilado, na segunda, ele não está mais aqui”, disse Nena. “A peça, hoje, é uma homenagem a geração 70, que foi contra a corrente e disse ‘não’. Uma geração da qual Boal fez parte”, explica. ”Só estamos falando disso agora porque eles deram murros em pontas de facas”, conclui a idealizadora do projeto.

      Além do espetáculo, as terças-feiras são marcadas por debates. “Exílios e Pertencimentos” acontece após a apresentação com nomes reconhecidos no ambiente artístico, político ou intelectual. Aberto ao público, os debates giram em torno da ditadura, do teatro, da literatura, da história, da vida, da identidade e da memória.

Por Bianca Garcia no Jornal do Commercio

Serviço:
Gampão Gamboa
Rua da Gamboa, 279 – Gamboa, Rio de Janeiro
De 05 a 31 de maio
Domingo, segunda e terça-feira: 20h/ Sábado: 21h
Ingressos: R$ 10,00 e R$ 5,00 (meia entrada)
De segunda a quinta, o espetáculo é gratuito na sessão das 16h
Classificação etária: 14 anos
 
Observação: Matéria publicada no Caderno de Artes do Jornal do Commercio no final de semana de 11,12 e 13 de maio.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Um minucioso crime

Eram alguns homens, como passageiros comuns... Sentei-me perto deles, nos bancos altos, onde as crianças preferem sentar. Senti algo estranho ao pegar àquele ônibus. Vez ou outra isso acontece, mas ainda teimo com minhas sensações... Lá estava eu prestes a ver um minucioso crime.

Ao terminar a Avenida Nossa Senhora de Copacabana, alguns minutos se destinam ao próximo ponto, onde há uma grande movimentação de passageiros. Ora para saltar, ora para entrar no ônibus. Dessa vez, eram cinco passageiros querendo deixá-lo. 


Enquanto uma mulher, a primeira que desceu, estava se segurando no banco pela brusca freada que dão os ônibus, um homem mecheu em sua bolsa. Era uma bolsa pequena e preta e o homem era mais velho e branco. Com pouco mais de meia idade, eu acompanhara cada movimento do rapaz, que eu ainda não sabia se acompanhara a mulher ou se estava furtando-a. Continuei a olhar. Depois, com testas franzidas, olhei para a frente. Mas meus pensamentos não paravam. Pensei eu, ingenuinamente, que isso não poderia estar acontecendo. Eu olhara, e o homem em minha direção, separado apenas pelo corredor, também. Depois, nos olhamos. De novo. Agora, cada qual com sua testa franzida. Senti nele a mesma dúvida que permeava minha mente. Mas ainda teimei com minha sensação. Não poderia ser um roubo tão minucioso assim...

Torci para que a mulher olhasse. Falei cinco vezes para meus pensamentos. Ela olhou. Mas olhou só a bolsa e neste instante o malandro já havia guardado o objeto e retirado os rastros, com toda sua velocidade, de qualquer pequeno crime. Pequeno! Ora, crime é crime! Todos são grandes! Olhei novamente e neste mesmo instante o homem, separado de mim pelo corredor,
se levantou com seus olhos voltados para mim. Dessa vez, não era um olhar comum. Nem com testas franzidas. Era um olhar instigante. Percebera, ele, que eu havia acompanhado tudo. 
  
Tardiamente percebi que esses olhos de ameça estavam juntos com as mãos de quem mexera na bolsa da mulher. O homem não me olhara com a mesma dúvida. Me olhara para meu silêncio. Em mais uma sensação, pensei não ter sido eu a única a observar o roubo. Era tanta gente... Mas, de nada serve uma multidão.  
 
Os malandros se entreolharam e gritaram pelos olhos para meu silêncio.
 
Os relógios marcavam alguns minutos para uma da tarde e a rua movimentada, em horário de almoço, estava quieta, apesar de toda a pressa humana. Ali, desceram os passageiros. Cada um para um lado. Sem qualquer olhar para trás, os  malandros se foram. De fato, agora, a mulher não conhecia os homens, nem mesmo percebera qualquer movimento em sua bolsa. Descera, e foi embora. Eu quis gritar pela janela. Mas escolhi o arrependimento até agora. Preferi ser um pouco como os outros. Preferi o egoísmo de seguir e olhar para trás com a dúvida se o crime acontecera ou não.

Bianca Garcia

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Um desagrado reencontro


Suas roupas largas, meio esverdeadas, seus cabelos e barbas cumpridas me chamaram atenção. Me lembrara alguém. Alguém que há pouco conhecera. Olhando fixamente para a janela, não consegui ver seu rosto de imediato. Embora meus olhos não largassem àquele banco, eu não conseguia ver o garoto por completo. Via os traços, que vez ou outra a gente confunde. 

Seus cabelos inibiam a visão, por mim, de seu perfil. Mas toda àquela postura me trazia uma lembrança. O garoto lembrara um entrevistado, daqueles que o jornalista se arrepende no mesmo instante. Droga de entrevista! Droga de matéria! Era como uma dessas falsas da grande mídia. 

Deslizara no banco e, sentado com as costas, fiquei a analisá-lo. Meus olhos não saíram daquele banco em qualquer minuto. Parece que permaneci ali, imóvel. 

Com uma mala ao seu lado. Uma mala preta, simples, daquelas que todo peso fica em um lado do braço. Bastante desprendido, o garoto deixara encostada no chão. Não parecia carregar muita coisa. Talvez, algumas dessas leves peças como as que estavam em seu corpo. Uma mudança rápida. De quem vai dormir pelas calçadas.

A pauta daquele dia também falava de calçadas. Barracas e gente. E mundo. 

Segurando um amendoim e uma caixinha de bala, o garoto mastigava-as a todo instante. Como se estivesse com fome e as balas fossem resolver o problema. Mas não era isso. Só parecia. 

Agora, o garoto olhara para o lado. Para o lado em que eu estava. Acabou a agonia. Que sorte a minha. Ou não!

O que antes era apenas uma lembrança, agora era real. Eu acabara de encontrar um desses burgueses que falam em revolução. Um desses burgueses que saem de casa, mas de dia vão ao banco retirar a mesada do papai. Encontrara logo ele! Logo ele que me dissera um dia sobre igualdade social, mundo melhor. Entrevista inútil! Vazia!

Do que adianta se falar em modos, maneiras e respeito? Do que adianta falar de um País distante? Do que adianta falar da desigualdade? Do que adiantava ele falar do mundo naquele instante? Ele não queria nada. Ficar pelas calçadas, com drogas, não mudaria nada. Ah! Drogas…

Quanta hipocrisia, pensei. Quando de repente todos os passageiros me olharam. Pareciam ter ouvido meus pensamentos. Será que eu gritara? Quanta hipocrisia! 

O garoto não me vira. Nem poderia lembrar de mim. E das coisas que ele disse um dia. Nem ele sabia o que dizia. Quanta hipocrisia!

Bianca Garcia

terça-feira, 1 de maio de 2012

Teatro carioca

    Em meio as máscaras inseridas no Rio de Janeiro, em junho, outras disfarçarão o caos urbano pelo qual passa a cidade. O prefeito, Eduardo Paes, declarou ponto facultativo no período da conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável, a Rio + 20. Bem, não é mera coincidência, que, em 2007, o Pan Americano aconteceu no período das férias escolares. Se recorrermos à memória, lembraremos que César Maia, o prefeito da época, escolheu julho, onde há uma redução significativa dos carros que circulam pela cidade, para a disputa entre as Américas.

    Se a cidade maravilhosa vai parar com a Rio + 20, podemos imaginar um estado de sítio em 2014 e 2016. Mas, ao invés da grande mídia falar sobre isso, ela realça sua imagem narcísica no calçadão de Copacabana. Na última quinta-feira, alguns minutos da grade foram reservados para sua presunção. Pouco vejo tevê, mas cinco minutos bastam para triplicar minha indignação. Hoje, a cidade cheira a poeira. Mas ao invés do caos, as praias lotadas conquistam a cena. É... Se não fosse o engarrafamento, o lixo, a violência e a desigualdade, o Rio seria a melhor cidade do mundo.

    Nosso grande chocalho é mais uma das obras pela cidade. Mais uma delas que desviam milhões. Mais uns milhões que vão para os ternos, junto com os milhões das Unidades de Pronto Atendimento, e que de pronto atendimento não tem nada, e com as Unidades de Polícia Pacificadora. Se não houvesse reforma, daria, talvez, para a construção de dois estádios. Se não fossem aluguéis de conteiners, daria, talvez, para a construção de hospitais, descentes, públicos. E se não fosse a mentira da pacificação, as fronteiras estariam todas reforçadas. Mas parece que as máscaras não vão sair daqui. Estão nas favelas, nas obras... Estão em todo o governo!

    Enquanto os olhos do mundo estão voltados para o Brasil, e muitos deles apenas para o Rio de Janeiro, espalham por aí que somos a sexta economia do mundo, que somos o país (há anos) do futuro, que somos uma nação de verdade. Por outro lado, só conheço uma nação mentirosa, que não tem memória, nem estudo. E sente fome!

        Bianca Garcia