terça-feira, 27 de março de 2012

Entschuldigung

Percebi, talvez cedo demais, que não dá pra sermos protegidos sempre ou sermos poupados de tudo. O sofrimento faz parte da mudança. Mas, infelizmente, tem gente que não muda nunca. Os acertos e os erros são todos os mesmos. Essa pacatez me incomoda. Não dá pra você ter o mesmo riso. Nem o mesmo choro. Nem os mesmos sonhos! Mas já entendi que a mudança não é tão natural assim, a mudança a gente procura.

Em uma época em que quase todas as meninas brincavam de bonecas ou de serem professoras, eu brincava de corrida. Gostava das pipas, das bolinhas de gude, dos peões e de outras competições majoritariamente feita por meninos. Gostava do chão, da terra, da lama. Nunca gostei muito do senso comum. Ele me incomodava, e ter personalidade forte em alguns casos pode assustar até os adultos.


Corria, me machucava, levantava e depois caía de novo. Mas essas quedas nunca me inibiram para uma nova corrida. Eu arriscava, e arriscava com tudo. Nunca tive medo desses machucados e sempre que me vem uma dúvida vou lá e arrisco. Gosto de desafios. Do contrário, do diferente, do que facilmente não se entende. Gosto da verdade e do sincero neste mundo em que quase não existe.


Ainda quando criança, aprendi a jogar buraco e xadrez. Gostava de competir com os adultos, mas só eu gostava. Eles odiavam crianças nessas brincadeiras e vinham logo com o café-com-leite. Que expressão terrível! A odiava. Eu gostava do pra valer até nas brincadeiras. Vencê-los era um desafio pra mim. E de desafio, hoje entendi que muitos adultos não gostam.


Bianca Garcia

quinta-feira, 22 de março de 2012

Uma menina, e eu

      A vi com aquele olhar baixo, de quem não tem muita expectativa para a vida. Os ombros caídos significavam cansaço, mas ainda era menina e, nessa idade, cansaço da vida é o que não existe. Estava quieta e distante de todos. Até conhecia outras meninas, mas preferiu refugiar-se em um banco solitário. Penso eu que algo não estava bem com ela, nada como dor de cabeça ou qualquer outro mal estar pessoal. Era desânimo. Um daqueles contagiantes.

       A olhei. Estávamos distantes e ela não me vira. Torci que sentasse ao meu lado. Não é todo dia que sinto vontade de falar com estranhos, mas com alguns especificamente até torço para que isso aconteça. Dizem que é coisa da alma, mas prefiro dizer que é coisa do momento. Ela não se sentou ao meu lado. Para minha decepção, preferiu àquele banco solitário.

        Nos olhamos. O meu olhar há minutos estava fixo na menina e talvez por essa sensação me olhara - é terrível a sensação de percebermos que alguém está nos olhando interminavelmente. Continuei. O seu olhar era vazio. Negros, profundos. Não tinha nada. Nem mesmo a procura pelos olhos que a perseguiam pelo caminho. Neste encontro de olhares, o meu estava claro que pedia uma conversa e um oi, talvez, não bastaria. Queria seus olhos de vida pela frente. Mas nada, ela não percebera. Talvez nem quisesse.

       Nem todo mundo enxerga motivos para procurar essa tal de felicidade que a gente finge que existe. Mas lá pelos doze ou treze anos os problemas de casa ou da escola não podem derrubar sua vida. E se não há como perceber isso sozinha, ou com os pais, a gente aprende na rua. Neste caso, queria ser essa parte da rua para a menina.

       Estava chegando ao meu destino. Inquietei-me. Queria em alguns minutos contar-lhe o que sei da vida. Não pode ser muita coisa, mas carrego boa bagagem nestes quase vinte e um anos. Queria tirar-lhe um sorriso ingênuo. Queria levantar seus ombros. Queria reencontrá-la, depois, como quem olha nos olhos... A menina ainda carregava um tom de ternura e era tão contagiante quanto seu desânimo.

        Me aproximei. Mais alguns metros e nunca mais iria encontrá-la. Neste instante, ficamos frente a frente. Não nos falamos. Permanecemos caladas durante os vinte minutos falantes da minha imaginação. Continuei a olhar em seus olhos. Dessa vez ela não me escapara. De novo me calei. E ela nem pensara em falar. Sorri. Ela também.

Bianca Garcia

quinta-feira, 15 de março de 2012

Onde foram parar?

Onde foram parar os Bertolts Brechts,
os Drummonds, os Saramagos?
E as Clarices?

Cadê os Luther Kings e os Gandhis dessa vida?  

Para onde foram os Mandelas? 

Cadê os Adornos?

E os Bourdieus? 

Para onde foram os Quintanas,

os Machados, os Pessoas?
E os Allans Poes?

Cadê os 
Georges Orwells?


Bianca Garcia

quarta-feira, 14 de março de 2012

Dia Nacional da Poesia com Carlos Drummond

    Hino nacional
Precisamos descobrir o Brasil!
Escondido atrás das florestas,
com a água dos rios no meio,
o Brasil está dormindo, coitado.
Precisamos colonizar o Brasil.
O que faremos importando francesas
muito louras, de pele macia,
alemãs gordas, russas nostálgicas para
garçonnettes dos restaurantes noturnos.
E virão sírias fidelíssimas.
Não convém desprezar as japonesas.
Precisamos educar o Brasil.
Compraremos professores e livros,
assimilaremos finas culturas,
abriremos dancings e subvencionaremos as elites.
Cada brasileiro terá sua casa
com fogão e aquecedor elétricos, piscina,
salão para conferências científicas.
E cuidaremos do Estado Técnico.
Precisamos louvar o Brasil.
Não é só um país sem igual.
Nossas revoluções são bem maiores
do que quaisquer outras; nossos erros também.
E nossas virtudes? A terra das sublimes paixões...
os Amazonas inenarráveis... os incríveis João-Pessoas...
Precisamos adorar o Brasil.
Se bem que seja difícil caber tanto oceano e tanta solidão
no pobre coração já cheio de compromissos...
se bem que seja difícil compreender o que querem esses homens,
por que motivo eles se ajuntaram e qual a razão de seus sofrimentos.
Precisamos, precisamos esquecer o Brasil!
Tão majestoso, tão sem limites, tão despropositado,
ele quer repousar de nossos terríveis carinhos.
O Brasil não nos quer! Está farto de nós!
Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil.
Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros?


Pelo simples brilhantismo de Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 13 de março de 2012

A agonia de um fracasso

Lá estava ela. Fraca, fraca. Suas asas já não a faziam voar. Estava agonizando em meio ao frio de um sujo chão. Alguns passos a ameaçavam e os gigantes passavam ao seu lado sem percebê-la. Ser pequeno deve ser chato, mas não mais chato que ser grande e não se fazer enxergar. Percebo os pequenos. Os observo. Talvez por este fato me deparei, várias vezes, com os menores agonizando. Os passos próximos à seu corpo me fazia torcer por uma morte mais rápida, sem qualquer sofrimento. Esmagá-la, talvez, infelizmente, fosse o melhor a ser feito. No entanto, mesmo muito próxima, eu não conseguia interromper sua vida, mesmo sabendo que sua dor seria menor. Não tive coragem. Fracassei. Esmagar os inferiores ao meu tamanho nunca foi uma diversão pra mim. Ela estava tremendo e seu corpo quase se deslocara da cabeça. Suas asas estavam branquinhas. Não poder voar é, no mínimo, uma péssima coisa. Rastejava-se. Rodava, rodava. Estava tonta, sem destino, caída em meio às sujeiras do mundo. O ar estava denso. Ela não conseguia respirar. Os ares estavam distantes. Saí. Nunca gostei de últimos suspiros. Preferi não ver. De novo, fracassei.

Bianca Garcia

quarta-feira, 7 de março de 2012

“Chaplin e sua imagem” no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica

       


       No Rio, a trajetória de Charles Chaplin é ilustrada nas paredes do Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica. Para a crítica, o maior artista cinematográfico de todos os tempos e um dos pais do cinema, para os órfãos de sua genialidade, um pensamento compartilhado até hoje, anos após sua morte.

      A exposição, que foi aberta nesta terça-feira ao público, mostra a vida do eternizado malandro solitário. Os ambientes cercados pelo preto e branco das fotografias e dos filmes de Chaplin, ganharam cores com seu brilhantismo. Junto às fotografias, estão alguns breves textos sobre sua história e a história de seus personagens.

       O cineasta britânico, que foi notabilizado pelo uso da mímica e da comédia pastelão em meio ao cinema mudo, tem sua primeira grande mostra organizada a partir de pesquisas nos arquivos familiares. Com algumas imagens inéditas, a exposição "Chaplin e sua imagem" vai até 29 de abril e vale muito à pena aos amantes da arte e do conhecimento.

Bianca Garcia

quinta-feira, 1 de março de 2012

Que mídia é essa?

Precisamos de algo mais inteligente. De uma televisão mais inteligente, de uma população mais inteligente. De uma mídia que seja motor de transformação social e não uma fórmula eficaz de alienação. Precisamos de uma mídia com cara limpa, sem sujeira por trás das câmeras e acordos por baixo dos panos. De uma mídia onde o jornal seja livre para noticiar o que é notícia sem pensar nas perdas do governo e do empresário. De uma mídia livre para criticá-los quando necessário.

O Rio de Janeiro vive, hoje, um apagão no transporte. Mas quem veicula isso? Mídia nenhuma. Sim, nos jornais estão estampados os rostos rebeldes, os defeitos nas máquinas, são descritos os atrasos e a revolta popular. Mas de forma alguma estampam o rosto da gravata que tem autonomia para explorar o serviço. Os transportes cariocas (Barcas S/A, SuperVia, MetrôRio) juntamente com outros serviços (Rede Globo, Light) são concessões públicas. E é o governardor junto às agências reguladoras quem tem o poder de exigir um bom trabalho. Mas isso não acontece, porque a população sofre sorrindo, até reclama num bar de esquina vez ou outra, mas no final das contas a falsa política de segurança é uma mudança pro estado, pensa ela, coisa que nenhum outro governo fez. Como não muda nada nunca, uma ilusão de mudança basta para a permanência de um poder.

Caso existisse uma mídia ética, tais indagações seriam (re)lembradas. Mas, como confiar em um jornal que diz que no próximo bloco terão notícias do Brasil e do mundo? Como confiar em um programa de entretenimento onde o erotismo é seu atrativo? E em uma apresentadora que em trinta segundos cometeu três gigantes erros de sua língua nativa? Ou em um apresentador que vive de absurdos? Ou em outro que diz a opinião de uma classe como sua e ao ingressar na política nada praticou?

Neste caso, parece que a tendência é piorar. Aos que reclamam do Big Brother, ou da Fazenda, algo pior vem por aí. Acredito, sim, que algo pior que um acordo de estupro em rede nacional para chamar atenção de um programa inicialmente sem audiência possa existir. Acho, ainda, que algo pior que a espetacularização de uma realidade possa existir. Parece que a tendência do descartável e do inútil ainda não chegou ao fim. Mas, os que vêem as imagens e as lêem - não estranhe, eu disse sim, ler a imagem - não estão nada satisfeitos com sua fórmula. Aos que se satisfazem com ela, que ao menos saibam da indigestão ao engolir qualquer coisa da mídia.

Bianca Garcia